quinta-feira, 30 de junho de 2011


Vinícius Mendes de Oliveira
Professor de Língua Portuguesa no IAENE
Mestrando em Ciências Sociais na UFRB
Formando em Teologia no IAENE


A DOUTRINA DA MORTE



INTRODUÇÃO

O estado do homem na morte é um assunto muito controvertido em nossos dias. Compreender esse assunto é de vital importância devido ao fato de que envolve a natureza do homem e o plano de Deus para salvá-lo do pecado. È por isso que o inimigo de Deus tem trabalhado muito para que haja confusão a respeito desse ponto e que em seu primeiro engano para o ser humano, levou nossos primeiros pais a pensarem que não morreriam, como tem ensinado o espiritismo.

Portanto, esse texto aborda esse tema a partir da perspectiva bíblico-antropológica e da análise de dois textos bíblicos usados erroneamente para refutar a correta doutrina bíblica a respeito do estado do homem na morte.

ANTROPOLOGIA BÍBLICA

Esse é um tema antropológico. Logo, precisamos recorrer, para iniciarmos o assunto, à criação do homem e a forma como Deus define a pergunta geradora da antropologia: “O que é o homem?” Gênesis 2:7 diz: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o fôlego da vida, e o homem foi feito alma vivente.”

De acordo com essa simples e clara definição o homem não possui uma alma. O homem é uma alma vivente. Do ponto de vista bíblico, a vida humana é uma composição de dois elementos: fôlego de vida e pó da terra. Observe que no texto de Genesis 2:7 a integralidade do ser humano é definida como alma vivente, ou seja, a alma não é uma entidade que está no homem, mas é o próprio homem. O texto é claro com respeito a isso. Há ratificações neotestamentárias desse pensamento mosaico em I Coríntios 15:45: “o primeiro homem Adão, foi feito em alma vivente...” E Apocalipse 16:3:” E o segundo anjo derramou a sua salva no mar, que se tornou em sangue como de um morto, e morreu no mar toda alma vivente.”

É interessante observar a relação que o Gênesis faz entre o tipo de vida que há no homem e a que existe nos animais: “Expirou toda a carne que se movia sobre a terra, tanto de ave como de gado e de fera, e de todo réptil que se roja sobre a terra, e todo homem, tudo o que tinha fôlego de espírito de vida em seus narizes, tudo o que havia no seco morreu.” Gênesis 7: 21-22.

O texto deixa claro que os animais possuem o mesmo fôlego de vida que os homens possuem. Assim, fica difícil pensar que os animais possuem uma alma pensante que sai de seu corpo quando morrem. O sábio Salomão acrescenta: “Porque o que sucede aos filhos dos homens, isso também sucede aos animais; a mesma coisa lhe sucede; como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego; e a vantagem dos homens sobre os animais não é nenhuma, porque todos são vaidade. Todos vão para o mesmo lugar, todos são pó, e ao pó tornarão.” Eclesiates 3:19-20

O texto acima ainda iguala o lugar para onde vão os mortos de forma tácita: pó da terra, porque todos são pó, tanto homens quanto animais. Veja que o texto não dá nenhuma margem para considerarmos outro lugar para onde vão os mortos senão o pó da terra.

Eclesiastes 12:7, falando sobre a morte diz: “e o pó volte a terra, como era, e o espírito volte a Deus que o deu.” O ponto de vista antropológico de Salomão (inspirado) é de que o homem é uma composição de pó (corpo) e espírito (hebraico ruaj e traduzido pela LXX como pneuma). Assim o termo ruaj e seu correlato grego pneuma equivalem a fôlego de vida. A analogia das Escrituras deixa claro que a fórmula antropológica de Salomão é a mesma que aparece em Gênesis 2:7.

Com respeito à incapacidade cognitiva e volitiva do estado do homem na morte, diz Eclesiastes 9:5-6 “Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco terão eles recompensa, porque a sua memória jaz no esquecimento. Amor, ódio e inveja para eles já pereceram; para sempre não têm eles parte em coisa alguma do que se faz debaixo do sol.” Assim, não é possível uma formulação doutrinária bíblica que derive uma interpretação de um estado de consciência do homem após a morte.

É importante mencionar ainda que a compreensão de que a alma humana é imortal contradiz frontalmente a doutrina da ressurreição.

No Éden, o engano da serpente girou em torno da mortalidade X imortalidade da alma. Enquanto Deus havia dito que o casal original não devia comer do fruto, pois a consequência seria a morte (Gn. 3:3), Satanás, contradizendo a Deus disse “Não morrereis”(Gn. 3:4). O primeiro engano satânico foi levar o homem à compreensão mentirosa da imortalidade. A frase “É certo que não morrereis” tem ecoado hoje através do espiritismo, falsas doutrinas bíblicas, filmes, novelas etc.

Com esse ensino quer Satanás levar o homem a viver irresponsavelmente pois, segundo seu engano, sempre haverá uma chance, mesmo após a morte do corpo. Isso contradiz a Bíblia em Hebreus 9:27, que diz: “E, assim como aos homens está ordenado morreram uma só vez, vindo, depois disto, o juízo.”

A certeza de um juízo após a morte evidencia a necessidade de levar-nos a sério as coisas de Deus enquanto estamos vivos, pois a morte não nos reserva outra chance. É por isso que a Bíblia sempre apela para uma decisão para hoje (Hb. 4:7). Por outro lado, o juízo determinará de que maneira a eternidade se revelará para cada ser humano. É por isso que a Bíblia ensina que há duas ressurreições (João 5:28-29; Apoc. 20:1-6). A primeira para a vida eterna e a segunda para a morte eterna. O desejo de Deus é de que todos tenham parte na primeira ressurreição.

ANÁLISE DE I PEDRO 3: 13-20 E LUCAS 23:43

I PEDRO 3: 13-20

Com respeito, a I Pedro 3 : 18-20 a explicação bíblica é clara. No entanto, é preciso considerar o contexto em que esse texto aparece. A perícope inicia-se no verso 13, a partir de onde Pedro está instruindo os crentes a permanecerem firmes na fé diante da perseguição daqueles que não crêem na fé evangélica. O apóstolo recomenda a santificação e preparo para responder a respeito da esperança que os cristãos possuem. Pedro afirma, então, que é melhor sofrer pela verdade do que praticar o mal.

Com base nesse contexto, o apóstolo usa exemplo de Cristo, que morreu por justos e injustos. Pedro explica que a morte de Cristo lhe subtraiu temporariamente seu corpo humano, mas não lhe tirou a vida espiritual que Ele possui desde a eternidade. Foi no uso dessa vida (vida espiritual e não em Seu corpo humano) que Cristo pregou, através do ministério de Noé, aos antidiluvianos, que rejeitaram a oferta de salvação, zombando do profeta. A pregação de Noé resultou na salvação de sua família apenas, a qual os livrou do dilúvio, o que para Pedro simboliza o batismo, no qual os que ouvem e praticam a voz de Deus são salvos.

A dificuldade aparente desse texto reside no uso do termo “vivificado no espírito”(v.18) e à expressão “espíritos em prisão (v.19). A expressão “vivificado no espírito” está em oposição a “morto, sim, na carne”. O que Pedro quer ensinar aqui é que Cristo, durante a encarnação, viveu em carne humana, mas que, a despeito dessa condição humana, Ele possui vida espiritual. E foi no uso dessa vida espiritual que Ele pregou, nos dias da pregação histórica de Noé, através de Noé, aos antidiluvianos, chamados aqui de “espíritos em prisão”. Uma exegese honesta do texto, com base na analogia das Escrituras, não permite a inferência de que essa pregação foi após a morte de Cristo, até porque, segundo Hebreus 9:27, os homens morrem e estão sujeitos ao juízo, não havendo mais possibilidade de se mudar seu destino. Essa verdade bíblica torna sem propósito uma suposta pregação de Cristo a seres que morreram sem salvação. Se por acaso for tomada a teoria falsa de Cristo foi pregar, em Sua morte, aos anjos caídos, o problema persistirá pois Judas 6 diz que esses anjos estão sob trevas espirituais, com seus casos decididos aguardando o dia do juízo.

A expressão “espíritos em prisão” está fazendo uma clara referência aos antidiluvianos que viviam durante a pregação de Noé. A Bíblia, no Novo testamento, usa muitas vezes o termo “espírito” para se referir a pessoas vivas (I Cor,16:18; Gl. 6:18). Com respeito a essa expressão associada à prisão, a explicação é a de que o pecado (natureza pecaminosa) é uma prisão para o ser humano sem Cristo (Rm 7:7-25).

Assim, o resumo do ensino de Pedro nessa perícope (I Pedro 3: 13-22) é de que os crentes devem permanecer na fé e defendê-la com amor, mesmo que isso resulte em desprezo e perseguição. O caso de Cristo, pregando aos antidiluvianos é tomado como exemplo, pois mesmo estes não aceitando Sua pregação (apenas oito pessoas foram salvas) e Ele sendo morto em Sua encarnação, isso não lhe tirou a vida espiritual que Ele possuía desde a eternidade, a qual foi plenamente recuperada por Ele em Sua ressurreição. O que Pedro quer ensinar que essa vida espiritual, através da ressurreição, é oferecida a todos os que permanecem na Palavra de Deus.

LUCAS 23: 43

“E Jesus respondeu: em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso.”

A explicação dessa passagem passa pelos seguintes seguimentos: 1- contextual e 2- linguístico

CONTEXTUAL

Em Suas palavras de despedida aos apóstolos no Cenáculo, vinte quatro horas antes de dizer essas palavras ao ladrão, Jesus disse: “E quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que onde eu estou, estejais vós também.” João 14:3. Essas palavras indicam claramente que o paraíso, para onde os salvos vão, só pode ser acessado quando Jesus voltar. Isso torna incoerente a suposta promessa de Jesus de que o ladrão estaria naquele mesmo dia, com Ele, no paraíso. Da boca de Cristo nunca saiu e nunca sairá incoerência.

Três dias após a promessa ao ladrão, Jesus diz a Maria Madalena: “Não me detenhas; porque ainda não subi para meu Pai...” João 20:17. Haveria uma grave contradição contextual se Jesus de fato tivesse prometido ao ladrão que estaria com Ele naquele dia no paraiso, pois nem Ele mesmo tinha ascendido ao céu. Entendendo que na Bíblia não há contradição, fica claro que o ladrão não poderia estar com Jesus, naquele dia, no paraíso.



LINGUÍSTICO

É essencial saber que a versão grega original do texto de Lucas 23:43 não possui nem sinais de pontuação tampouco o conectivo que aparece nas versões modernas. Assim no texto original grego de Lucas não aparece a conjunção subordinativa oti (que). Seu acréscimo nas versões atuais decorre da influência que a doutrina da imortalidade da alma exerceu sobre os tradutores modernos da Bíblia.

Dessa forma, o texto deveria ser lido corretamente assim: “Em verdade te digo hoje estarás comigo no paraíso.” O advérbio hoje (grego semeron) nesse texto é usado para modificar o verbo digo e não o verbo estarás.

Em Marcos 14:30, aparece o advérbio semeron (hoje) antecedido pela comjunção oti (que): Em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que duas vezes cante o galo, tu me negarás três vezes.”

No texto de Marcos, vemos Jesus enfatizando que a negação de Pedro ocorreria naquela mesma noite, como de fato aconteceu. Portanto, o uso de semeron (hoje) antecedido de oti (que) aparece corretamente no original grego. Mas o mesmo não ocorre em Lucas 23: 43, pois Jesus não desejava, neste texto, enfatizar uma noção presente da ida ao paraíso com a palavra hoje (semeron), mas relacionar o termo hoje ao verbo digo com o propósito fortalecer o valor do que ia dizer.

Infelizmente para, literalmente, colocar palavras na boca de Jesus, forçando-O a dizer o que não pretendia, os tradutores modernos da Bíblia acrescentaram a palavra que ao texto de Lucas para que essa passagem pudesse ser base para uma doutrina não bíblica.

CONCLUSÃO

Embora a doutrina da morte seja controvertida em nossos dias, um exame criterioso do ensino das Escrituras sobre o tema deixa clara a noção de que o ser humano é uma entidade holística, composta por corpo (pó da terra) e espírito (fôlego de vida).. Logo, o homem não possui uma alma, mas é uma alma. Uma análise criteriosa, embasada em uma exegese séria, de qualquer texto bíblico, inclusive os que parecem mais complexos revelam a doutrina de que o homem é mortal, e que o juízo de Deus decidirá o destino de todos os homens. Está diante de todas as pessoas escolher apenas dois caminhos: vida eterna ou morte eterna. Não há uma estrada alternativa. A mentira Satânica, desde o Éden, foi fazer pensar que o homem poderia ser eterno como Deus. Mas só o Senhor tem esse dom e deseja compartilhar com todos aqueles que aceitam e praticam toda a palavra que procede da boca de Deus (Mateus 4:4).

Nenhum comentário: