quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012


Vinícius Mendes de Oliveira

Pastor em Vila Velha - ES


“SÊ PROPÍCIO A MIM, PECADOR”

Deus espera dos que se aproximam dEle humildade e desejo sincero por salvação.

                

INTRODUÇÃO

 A parábola do fariseu e do publicano (Lucas 18:9-14) apresenta um emblemático quadro de um homem que se perde e de outro que se salva. Os dois destinos opostos são determinados pelo senso de pecaminosidade que os personagens demonstram. O fariseu era presunçoso e arrogante enquanto que o publicano era dependente e humilde. Jesus contou essa parábola porque nela encontram-se prefigurados perdidos e salvos. O Senhor queria ensinar que a salvação é gratuita e não pode ser adquirida por obras humanas. Assim, de forma muito simples e direta, a parábola do fariseu e do publicano ensina como o ser humano pode ser salvo e adverte a todos do perigo de procurar a salvação fora dos méritos de Cristo.

Portanto, é necessário que façamos uma análise com atenção dessa bela parábola de Jesus a fim de extrairmos dela lições espirituais que nos ajudem a não cometer os erros do orgulhoso fariseu e aprendermos com o humilde publicano o jeito certo de nos aproximarmos de Deus.

A ATITUDE DO FARISEU

Há alguns detalhes na oração do fariseu que evidenciam sua confiança e justiça próprias como também desprezo aos outros. Em primeiro lugar é importante lembrar que tanto a oração do fariseu como a do publicano são ambientadas no pátio do Templo, onde, pela manhã e pela tarde, por conta dos sacrifícios que se ofereciam nesses horários, o povo se reunia para adoração pública. O verso onze revela o fato de que, embora houvesse ali muitas pessoas, o fariseu se destaca do grupo, se posta sozinho, em pé, e faz uma oração, provavelmente audível. Essa atitude de separação do fariseu motiva-se pelo fato de que ele cria que a presença de pecadores ali poderia contaminá-lo. É provável que o ícone da impureza “dos outros homens” seja o publicano que também está por ali.

Dessa forma, com sua oração, o fariseu orgulha-se de sua condição deixando patente a contaminadora presença daquele miserável publicano. O fariseu, em sua oração, usa o nome de Deus como vocativo, mas o foco de sua oração não está em Deus, mas em si mesmo. Ele dá graças não por aquilo que Deus é ou faz, mas pelo que ele, o fariseu, não é e pelas boas obras que pratica. Ele dá graças a Deus pela justiça própria que ostenta, fazendo uma contundente comparação de si mesmo e suas virtudes com os outros, especialmente o miserável publicano cheio de pecados.

O Senhor disse que essa parábola foi contada porque “alguns confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros” (Lucas 18:9). Nesse resumo, vemos o problema central que determinou a perdição do fariseu: justiça própria e consequente desprezo aos outros. Essa é a fórmula da perdição. A verdade é que confiança e justiça próprias mascaram a realidade de que a pessoa está perdida, desviando seus olhos do Salvador, focando nas imperfeições de quem está à volta. “Nossa única segurança está na constante desconfiança de nós mesmos e na confiança em Cristo” (Parábolas de Jesus, p. 155).

Justiça própria é resultado de uma errônea compreensão a respeito de como somos salvos. A salvação é um presente de Deus. Não é adquirida ou mesmo mantida pelas obras humanas, sobretudo porque estas, muitas vezes representam o que se passa no exterior do homem e são incoerentes com o coração. Significa dizer que através da disciplina humana alguém pode deixar de fazer coisas ruins e praticar boas coisas, mas não ter o problema do egoísmo interno resolvido. Na verdade, o senso de justiça própria leva as pessoas a fazerem as coisas certas pelos motivos errados. Esse desvio leva à desobediência a Deus, já que, quem passa determinar o que é certo ou errado não é mais o Senhor, mas o próprio coração humano.

É possível nesse momento propor uma relação entre a desastrosa oração do arrogante fariseu e a oferta de Caim, que levou vegetais para a adoração, porque era agricultor. Deus não havia pedido isso, mas era isso que seu coração pedia para entregar. É importante lembrar que o sistema levítico previa ofertas de alimentos vegetais, mas estas não eram para expiação, pois “sem derramamento de sangue não há remissão” (Hebreus 9:22). As ofertas de vegetais, ou primícias, eram prescritas para que o ofertante pudesse expressar gratidão a Deus (Deuteronômio 26:10), mas não serviam para expiação. É interessante notar que o fariseu inicia sua oração se referindo a uma suposta gratidão: “Ó Deus, graças te dou...” da mesma forma que Caim, que apresentou uma oferta dos frutos da terra usada para demonstrar gratidão. Isso indica que Caim se aproximou de Deus não sentindo sua necessidade de salvação, mas “apresentou sua oferta como um favor feito a Deus, pelo qual esperava obter a aprovação divina”( PP. 72). Foi exatamente isso que o fariseu fez. Ele “agradeceu” pelo privilégio de não ser pecador – logo, não carecido da graça de Deus, segundo seu pensamento – e listou suas obras a fim de que elas fossem aplaudidas por Deus e pelos homens, colocando-o num patamar superior aos outros.

A oferta de Caim e a suposta gratidão do fariseu desviaram o foco de ambos do propósito de Deus para o ser humano. Os dois acharam que poderiam fazer alguma coisa para agradar a Deus. Estavam exercendo uma religião pagã, tentando comprar o favor do Senhor. O que eles não sabiam é que Deus fez o homem propício a Si por Seu próprio ato de amor ao entregar Seu filho para morrer, substituindo a morte dos pecadores. Era isso que Deus queria ensinar a Caim e Abel; era isso que estava sendo ensinado no pátio do Templo quando o fariseu e o publicano foram até lá com o propósito de orar (Lucas 18:10)

ATITUDE DO PUBLICANO

De repente a cena muda de foco na parábola. Jesus concentra-se no outro personagem: o publicano. A postura desse homem como também sua oração resumem a atitude de uma pessoa que vence na vida espiritual. O verso treze revela que ele também ficou afastado das outras pessoas, mas seu motivo era totalmente contrário ao do fariseu. Enquanto este se orgulhava de sua condição, o coletor de impostos não se considerava sequer apto para estar próximo às demais pessoas. Seu pecado está patente. Ele era exatamente aquilo de que havia sido acusado. Não havia como esconder. Ele estava ali em busca de misericórdia.

O mais importante, na verdade, era o que estava acontecendo no Templo naquele momento; o que motivava aquela reunião de oração. Aquela era a hora do sacrifício. Quem se dirigia ao pátio do Templo naquele momento visualizaria uma cena estranha e profundamente simbólica. No centro do pátio, havia o altar de sacrifícios, os adoradores então se aglomeravam em torno desse móvel e podiam ver um cordeiro despedaçado sobre o altar e o sangue escorrendo do corpo inerte do animal. Logo o animal seria queimado e uma fumaça densa tomaria conta do ambiente. O cordeiro esquartejado no altar representava a morte substitutiva de Cristo por conta de nossos pecados. Essa cena era a evidência de que o pecado é real na vida de todo ser humano e de que todos precisam dessa morte substitutiva.

O que determinou a vitória do publicano foi contemplar essa cena, reconhecendo seu pecado. O texto diz que ele não levantou os olhos aos céus. O fariseu absorto em si mesmo não pode contemplar o sacrifício, tampouco entender seu significado. Na verdade não se sentia necessitado daquele sacrifício. Estava trazendo sua própria oferta, como fez Caim.

O texto diz que o publicano, por outro lado, clamava pela propiciação divina. Reconhecia que a Lei de Deus exigia sua morte e que seu pecado causava ira em Deus. Contudo, clamou para que aquele sacrifício oferecido fosse também por ele. A sua oração é uma síntese do Salmo 51, no qual Davi reconhece seu terrível pecado, clama por misericórdia e por transformação.

O publicano orava batendo no peito. Esse gesto só era usado em ocasiões de extremo desespero como o luto, por exemplo. Os judeus piedosos costumavam cruzar as mãos sobre o peito, mas bater no peito não era corriqueiro na oração. Dificilmente esse ato era praticado por homens. Era mais comum em mulheres em situação de total desespero. Um antigo comentário judaico sobre Eclesiates 7:2 lança luz sobre esse inusitado gesto do publicano:

“R. Mana disse: E os vivos colocarão isto no seu coração; estes são os justos que colocam a sua morte contra o seu coração; e por que eles batem sobre o coração? Como a dizer: ‘Tudo está aí,” (nota:... os justos batem sobre o coração como fonte de anseio pelo mal.) (Midrash Rabbah, Ecl. VII. 2,5, Sonc., 177). (Apud, Kenneth Bailey, As Parábolas de Lucas, p. 337)

Ao bater no peito, portanto, ele dizia “eu não quero esse coração.” Ele reconhecia que “do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (Mateus 15:19). Dessa maneira, manifestou o desejo de que Deus lhe fizesse um transplante de coração para que ele deixasse de ser aquilo que tinha sido (Jeremias 31:33).

Ao fazer sua oração, o publicano pede que Deus o cubra, que a justiça de Cristo esteja entre ele e a ira divina e que ao mesmo tempo essa justiça seja impregnada em si e que ele seja confundido com Jesus, recebendo o tratamento que o Senhor merece. Ele usa a palavra “propício”, que é uma direta referência ao propiciatório – móvel do Templo que cobria arca da aliança, simbolizando a interposição que Cristo faz entre o pecador arrependido e a santidade de Deus. Assim, o propiciatório simbolizava a imputação dos méritos de Cristo sobre o pecador, fazendo com que o pecador não fosse visto como tal por Deus, mas que o Pai visse Jesus, porque este se coloca entre a santidade de Deus e o pecador. O propiciatório também simbolizava a comunicação das virtudes de Cristo para o pecador arrependido, uma vez que todos aqueles que recebem a graça da propiciação manifestarão na vida o caráter de Jesus.

Portanto, quando o publicano clama por propiciação está pedindo a justiça de Cristo em sua vida. Essa justiça que substitui a morte do pecador e o habilita a ser como Cristo. Ou seja, a propiciação, transforma completamente o caráter. Assim, o publicano não está contentado com uma religião externa, aparente. Ele deseja uma religião profunda, proveniente do coração. Ele evoca as graças da nova aliança, que segundo Jeremias 31:33, configura-se da seguinte forma: “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel depois daqueles dias diz o Senhor: Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei, eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo.”

Na oração de Davi no Salmo 51, a qual o publicano está se referindo, no verso 10, lemos: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável.” O clamor de alguém realmente arrependido não é apenas por perdão, mas também por santificação, por uma fé inabalável. Da mesma forma que o perdão é divino, o poder para ter uma vida santa também o é. O verbo que aparece na oração de Davi é criar (bara), o qual tem apenas Deus como sujeito. É o mesmo verbo usado para se referir a Deus como criador do mundo físico. Deus criou todas as coisas através do intercurso de Sua Palavra. Para criar, Deus apenas precisa falar. Na criação de um novo coração no ser humano, não é diferente. Deus fala e o que não existe passa a existir. Não importa quão pecador alguém seja, quão distante tenha ido e tenha se afastado de Deus, a Palavra de Deus é capaz de fazer qualquer pessoa se tornar semelhante a Jesus, de forma milagrosa.

CONCLUSÃO

Deus deseja ardentemente, portanto, efetuar essa obra em cada um de nós. No entanto, isso só será possível se o pecador se aproximar do Senhor com humildade, reconhecendo sua terrível condição e focando-se apenas nos méritos do sacrifício expiatório de Cristo. O fariseu não foi justificado porque, ao contrário disso, seus olhos estavam voltados para suas “boas obras” em comparação com os pecados dos outros. O publicano, por outro lado, reconheceu sua indignidade e só teve voz para clamar por propiciação uma vez que entendeu que a única esperança que tinha estava na morte substitutiva do cordeiro.

Foi por isso ele desceu justificado. No verso 14, não se usa mais a palavra publicano. Quando aquele homem desceu do Templo, ele não era mais um publicano. Ele subiu para o templo humilhado e desceu justificado. O fariseu subiu exaltado e desceu condenado.

Isso ensina para todos nós a receita da salvação, que consiste em reconhecer a nossa condição de pecadores, clamar pela infinita misericórdia de Deus, receber Seu perdão e permitir que Ele santifique completamente nossa vida como produto inevitável do perdão que Ele nos deu.


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