quinta-feira, 3 de maio de 2012


Boicotando a si mesmo

Felippe Amorim 



            De vez em quando nos deparamos com campanhas incentivando o boicote a alguma instituição ou produto. Em uma rápida consulta na internet encontrei campanhas de boicote aos EUA, a redes de televisão, a refrigerantes, ao uso do petróleo e muitas outras.

            Porém dificilmente alguém promoveria um boicote contra si mesmo. Pelo menos não conscientemente.

O ressentimento é uma das grandes armas do inimigo para tirar cristãos do reino de Deus. Muitas pessoas estão vivendo pensando que estão caminhando rumo à salvação, mas estão produzindo um boicote espiritual contra si mesmo. Muitos nem se apercebem disso.

            Jesus nos deixou na Bíblia um alerta sobre este assunto que é tão importante,  pois pode nos tirar do céu e, infelizmente, muitos cristãos têm incorrido neste erro consciente ou inconscientemente.


O limite do perdão



            Certa vez o apóstolo Pedro travou o seguinte diálogo com Jesus: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete? Jesus lhe disse: Não te digo que até sete; mas, até setenta vezes sete. (Mateus 18:21-22)

O apóstolo Pedro fez uma pergunta muito importante, considerando que nas relações humanas é quase impossível conviver sem ofender de alguma forma aqueles que estão próximos a nós. Mas se observarmos bem a pergunta, Pedro pergunta sobre o perdão a um irmão. Geralmente as pessoas que mais cometem coisas ofensivas contra nós são aqueles que estão mais próximos. Cônjuges, irmãos, pais e filhos, enfim, geralmente no círculo familiar o perdão precisa ser colocado em prática mais frequentemente, pois as ofensas também acontecem com certa frequência. Mas onde existirem pessoas convivendo o perdão será necessário.

            Os rabinos limitavam o número de perdões em até três vezes. Portanto, para os líderes judaicos ninguém estaria obrigado a perdoar a quarta vez e isso não seria incorrer em erro.

            Pedro então, para mostrar sua generosidade dobrou o número de perdões e acresceu mais um. Quem sabe ele pensou: “Jesus ficará admirado comigo!”, mas a resposta de Cristo o surpreendeu. O Senhor disse: “Setenta vezes sete”. Jesus não estava limitando o número de perdões a 490 vezes, estava dizendo que devemos estender perdão um número ilimitado de vezes.

            Esta é uma mensagem que traz benefícios espirituais para cada cristão, mas não para por aí. Muitos benefícios emocionais também serão alcançados.

            O ser humano tem muita dificuldade de perdoar, mas o perdão é mais benéfico para quem o dá do que para quem o recebe. Guardar ressentimento destrói emocionalmente quem o guarda e aumenta a possibilidade de doenças cardíacas. Ressentimento, alguém disse, é um veneno que você toma esperando que o outro morra.

            Há, no entanto, um ponto mais importante. Conceder perdão é ponto de salvação. Jesus ilustrou este ensinamento em uma parábola: “Por isso o reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis fazer contas com os seus servos; E, começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos; E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse. Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Então o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos, que lhe devia cem dinheiros, e, lançando mão dele, sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves. Então o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Ele, porém, não quis, antes foi encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida. Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia, contristaram-se muito, e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passara. Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti? E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos fará, também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas (Mateus 18:23-35).


O Primeiro servo



            Nesta ilustração de Jesus o primeiro servo devia dez mil talentos. Um talento correspondia a 6000 denários, portanto, 10.000 talentos corresponderia a 60.000.000 de denários. Um denário era o que ganhava um trabalhador comum por um dia de trabalho. Calculando esse valor em dias teríamos 60.000.000 de dias de trabalho, ou seja, aproximadamente 165.000 anos de trabalho. Ninguém vive tanto.

            Resolvi atualizar estes valores. É lógico que não há correspondência exata entre a nossa moeda e a dos dias bíblicos, mas nos servirá como ilustração.

Em 165.000 anos estão contidos 1. 980.000 meses. Se considerarmos o salário mensal de um trabalhador comum no Brasil R$ 622,00, teríamos no final de um período como este o valor de R$ 1.231.560.000. Este é um valor suficiente pra comprar 34.672 carros populares modelo 2012 que custam em média R$ 35.000,00 ou daria pra montar uma biblioteca de 17.593.714 livros de R$ 70,00 cada.

Em valores atuais ou dos tempos bíblicos a conclusão é a mesma: A dívida era impagável. Mesmo assim o primeiro servo fez um pedido ao rei: “Sê paciente comigo, e tudo te pagarei”. Essa era uma promessa impossível de ser cumprida. Sabendo disso o Rei perdoou a dívida.

Nós somos este servo. Temos uma dívida impagável com Cristo. A dívida que adquirimos com Deus por causa dos nossos pecados nos faz condenados à morte (Rom. 6:23). Às vezes até pensamos que poderíamos paga-la se fôssemos “bonzinhos”, obedientes, etc. A verdade é que se conseguíssemos passar toda a vida sem cometer nem um ato pecaminoso, nossa dívida ainda estaria do mesmo tamanho. Foi por isso que Jesus nos ofereceu o perdão desta dívida na cruz do calvário. Graças ao amor de Cristo por nós podemos ser perdoados de qualquer pecado que cometemos, basta confessarmos a Jesus (1 Jo. 1:9).


O segundo servo



            A parábola conta que depois de ser perdoado, o primeiro servo saiu da audiência com o rei e encontrou o segundo servo que o devia 100 denários. Este era o valor correspondente a três meses de trabalho de um trabalhador comum. Atualizando com os valores que usamos anteriormente daria R$ 1.680. Perceba o contraste: o primeiro servo devia R$ 1.231.560.000 e o segundo devia R$ 1.680.

            Mesmo diante de toda esta diferença a Bíblia diz que o primeiro servo sufocava o segundo dizendo: “paga a dívida”. Então foi feito um pedido: “Sê paciente comigo, e tudo te pagarei”. O pedido foi igual ao que o primeiro servo fez ao rei, a diferença é que o segundo servo teria condições de cumprir com a sua promessa, mesmo assim ele foi lançado na prisão.

            Nós fazemos assim, queremos o perdão de Deus para nossos pecados, mas recusamos perdoar aqueles que nos ofendem.


A Reação do Senhor



O primeiro servo deveria ser tão compassivo com o segundo quanto o senhor foi com ele. O rei disse que ele deveria tratar o seu conservo “igualmente”. Como ele não agiu assim foi preso até pagar toda a dívida, ou seja, ficou preso para sempre já que sua dívida era impagável.

Se observarmos bem, a dívida que já havia sido perdoada retornou condenando-o a morrer preso.


Duras lições bíblicas



            Esta parábola de Jesus encerra duras lições para nós. Primeiramente aprendemos que o perdão de Deus para nós está vinculado ao perdão que oferecemos aos nossos irmãos. No meio da oração que Jesus ensinou ele disse: “E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mateus 6:12). Jesus ainda acrescentou: “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós; Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas” (Mateus 6:14-15).

            Todos nós precisamos do perdão de Deus, porque todos, sem exceção, pecamos. E mesmo que conseguíssemos ficar sem cometer atos pecaminosos, ainda seríamos pecadores por natureza necessitados do perdão de Deus. Esse deveria ser um motivo mais que suficiente para oferecermos perdão ao nosso próximo.

            Outra lição que podemos aprender com esta parábola é que quando não perdoamos aos nossos irmãos, os nossos pecados já perdoados voltam a ficar ativos nos registros do céu. Esse é outro bom motivo para não guardarmos ressentimento do nosso próximo.

            Perdoar o meu irmão, portanto, é uma questão de Salvação. No céu só entrarão pecadores perdoados e restaurados, mas se não perdoamos ao nosso próximo, não poderemos ser perdoados e, consequentemente, estaremos fora do céu.


Decisão Importante



            Esta doutrina bíblica precisa ser motivo de nossas profundas reflexões. A quem você tem que perdoar? Talvez a seu pai que o tratou mal na infância, quem sabe a um parente que te ofendeu profundamente, é possível que seja um colega de trabalho ou um vizinho que te magoou, um irmão da igreja que te prejudicou. Não importa quem seja. A Bíblia nos conclama a estender o perdão a todos que nos ofenderam, mesmo que esta pessoa não queira nosso perdão. Perdoar traz mais benefícios a quem perdoa do que a quem é perdoado.

            Nosso grande exemplo é Jesus. A dívida que tínhamos com Ele era impagável e fomos perdoados. Nenhuma ofensa de um ser humano para com outro será tão grande quanto a que os humanos fizeram para com Deus. Por isso hoje é dia de perdoar aqueles que lhe ofenderam. Quem sabe procura-los hoje mesmo. Dessa forma estaremos em paz com Deus e com nosso próximo.

Nenhum comentário: