Ensinar x Praticar
Felippe Amorim
O
Brasil tem três períodos políticos bastante distintos em sua história. A
colônia, O império e a república. Durante o período colonial do Brasil,
especialmente no século XVIII muito ouro foi extraído do solo. E cada grama
desse ouro deveria passar pela revista da coroa portuguesa e pagar os seus
devidos impostos.
Algumas
pessoas, no entanto, davam um jeito de burlar os impostos e transportar o ouro
sem deixar nada nos cofres portugueses. Uma dessas formas gerou uma frase muito
usada ainda hoje no Brasil: O santo do pau oco.
Essa
frase foi gerada por causa do contrabando de ouro e pedras preciosas que se
fazia usando imagens de madeira de santos da igreja católica. Como o Brasil era
oficialmente católico, ninguém se atrevia a revistar uma estátua de um santo.
Se aproveitando disso, os contrabandistas fabricavam imagens ocas de santos,
com uma abertura embaixo. Eles enchiam a imagem com ouro e pedras preciosas,
fecharam o orifício e passavam tranquilamente na fiscalização.
Embora
aquela imagem exteriormente parecesse um santo, na verdade era apenas uma
embalagem para contrabandear ouro. Era um santo falso, ou, um santo do pau oco.
Por fora havia santidade, mas por dentro havia roubo. Havia uma tremenda incoerência
entre a mensagem da imagem e a sua real utilidade.
Há um
texto na Bíblia que me vem à mente quando eu penso nessa história. Leia: Então,
Jesus disse à multidão e aos seus discípulos: "Os mestres da lei e os
fariseus se assentam na cadeira de Moisés. Obedeçam-lhes e façam tudo o que
eles lhes dizem. Mas não façam o que eles fazem, pois não praticam o que pregam
(Mateus 23:1-3).
Este ano comecei meu
ano Bíblico pelo Novo Testamento. Portanto, logo passei pelo texto que acabei
de citar e desde então ele não sai da minha mente. Todas as vezes que entro em
contato com os membros da igreja na qual sou pastor, penso se eu não estou me
comportando como aqueles fariseus dos tempos de Cristo. Penso se não estou
incoerente entre o que prego e o que faço.
Quem eram os fariseus?
Hoje a
imagem dos fariseus está bastante manchada. No contexto da igreja, chamar
alguém de fariseu é querer ofender esta pessoa. Mas nos tempos de Jesus não era
assim.
Nos
tempos de Cristo os fariseus faziam parte de uma classe muito prestigiada.
Seria orgulho para uma mãe ter um filho fariseu e qualquer pai gostaria que sua
filha se casasse com um deles.
Eles
eram líderes espirituais e tinham muita influência política na sociedade em que
viviam. A própria palavra fariseu significa OS SEPARADOS, (Joachim Jeremias - Jerusalém
no tempo de Jesus, 333 – Academia Cristã), eles eram uma classe muito especial
e respeitada onde viviam.
Jesus
mesmo reconheceu a posição social e religiosa privilegiada em que eles se
encontravam. No texto bíblico que citei no início Jesus diz que: Os mestres da
lei e os fariseus se assentam na cadeira de Moisés. Isso significa que eles ocupavam
a posição de Moisés como expositores da lei. Eles eram profundos conhecedores
dos escritos de Moisés. Porém, todo esse conhecimento não os salvou de
incorrerem em um erro fatal.
O problema com os Fariseus
A
frase inicial de Jesus que ressaltava a posição eclesiástica dos fariseus e seu
conhecimento da letra da lei era apenas uma introdução para uma advertência e
repreensão que Cristo queria fazer. Ele continuou: Obedeçam-lhes e façam tudo o
que eles lhes dizem.
É
lógico que o povo deveria obedece-los somente se o que eles falassem estivesse
de acordo com a cadeira de Moisés. Jesus não apoiou nenhum dos acréscimos que
eles fizeram às palavras do pentateuco, estas coisas só tornavam a religião
cada vez mais pesada. O povo devia obedecer ao que estava de acordo com as
Escrituras.
Jesus,
então, lança a advertência: Mas não façam o que eles fazem, pois não praticam o
que pregam. Aqui está o centro do problema dos fariseus. Existia na vida deles
uma distância considerável entre ensinar e praticar. Eles eram bons no falar, sabiam
os mandamentos decorados, as normas de conduta, mas não praticavam as coisas
que falavam.
Podemos
resumir o problema dos fariseus em uma palavra: incoerência. O pior é que a incoerência
deles estava desviando o povo dos caminhos corretos.
Certa
vez ouvi uma frase que me fez pensar e resolvi memoriza-la: O que você faz é
tão barulhento que não consigo ouvir o que você diz. Essa frase poderia muito
bem ser dita aos fariseus, pois, as ações deles colocavam uma penumbra sobre as
palavras deles. O problema é que temos a
possibilidade de repetir o erro dos fariseus hoje.
Os líderes de hoje
Quem
seriam os correspondentes aos fariseus e doutores da lei hoje? Esta é uma
pergunta cuja resposta é importante para nossa reflexão. É lógico que não podemos
fazer uma transposição perfeita das funções dos fariseus para alguma função
eclesiástica atual, mas, analogamente os fariseus corresponderiam hoje à
liderança da igreja: pastores, anciãos, diretores de grupos, etc.
Há
muita semelhança entre esses grupos e os fariseus. Esses grupos são aqueles que
conhecem mais a Bíblia (ou deveriam), são aqueles que constantemente pregam
coisas verdadeiras e importantes nos púlpitos das igrejas. Eu, enquanto pastor,
me sinto incluído neste grupo, mais ainda, sinto a responsabilidade de não
incorrer no erro dos fariseus.
Por
isso, há muito tempo tenho meditado no texto bíblico que deu origem a esta
reflexão. Tenho me perguntado constantemente: tenho vivido aquilo que prego?
Sou um bom representante da palavra de Deus?
Vou
falar para você alguns temas que têm sido geradores de sermões para mim e que
estão me fazendo pensar. Eu tenho pregado sobre modéstia cristã,
e, baseado no texto de Mateus, eu tenho me perguntado: tenho vivido a modéstia
cristã em meu dia a dia? As roupas que minha família veste têm sido coerentes
com a minha pregação? As minhas ambições por carros, relógios e outros objetos
têm sido compatíveis com minha pregação?
Outro tema bíblico que
tenho pregado é sobre a prioridade da família. E por isso, me pergunto: Tenho
colocado minha família em segundo lugar em minha vida, somente atrás de Deus?
Tenho colocado meu trabalho, sucesso, fama à frente da minha família? Tenho
dado a importância real que ela merece?
Eu também prego sobre o
corpo como templo do Espírito Santo. Sou pastor de uma igreja com muitos jovens
e sempre falo para eles que precisam cuidar da saúde e que isso tem tudo a ver
com espiritualidade. Por isso tenho me perguntado: Tenho vivido a mensagem de
saúde? Tenho comido o que Deus espera que eu coma e deixado de comer o que Deus
espera que eu deixe? Tenho bebido o que Deus espera que eu beba e deixado de
beber o que Deus espera que eu deixe? Tenho praticado exercícios físicos
regularmente?
Tenho falado para minha
igreja que ela deve participar da pregação do evangelho. Mas eu tenho pelo
menos uma pessoa a quem eu, com pastor, dou estudos bíblicos? Tenho feito a
minha parte fora da igreja?
A coerência entre o que
eu falo e o que eu vivo tem sido vista em minha vida? Ellen White nos adverte: Não
importa quão zelosamente seja advogada a verdade, se a vida diária não
testemunhar de seu poder santificador, as palavras faladas de nada
aproveitarão. Uma conduta incoerente endurece o coração e estreita o espírito do
obreiro, colocando também pedras de tropeço no caminho daqueles por quem ele
trabalha (Obreiros Evangélicos, 144).
Um bom lugar para
avaliarmos a nossa coerência é dentro de casa. Ellen White continua: É o
desígnio de Deus que, em sua vida doméstica, o mestre da Bíblia seja um exemplo
das verdades que ensina. O que um homem é, exerce maior influência do que o que
diz. A piedade na vida diária dará força ao testemunho público. A paciência, a
coerência e o amor impressionarão os corações que os sermões não conseguem
alcançar (Obreiros Evangélicos, 204). Devemos ao invés de apenas pregar
sermões, devemos SER sermões ambulantes. Devemos ser vidas que pregam.
O maior exemplo de
coerência é, sem dúvida, o Senhor Jesus. Ele viveu tudo o que pregou e pregou
em cada passo que deu nesse planeta. Acompanhe o texto inspirado: Toda a vida
do Salvador caracterizou-se pela desinteressada beneficência e a beleza da
santidade. É Ele nosso modelo de bondade. Desde o princípio de Seu ministério,
começaram os homens a compreender mais claramente o caráter de Deus. Ele
realizava na própria vida o que ensinava. Manifestava coerência sem obstinação,
benevolência sem fraqueza, ternura e compassividade sem sentimentalismo. Era
altamente sociável, possuía, no entanto, uma reserva que desanimava qualquer
familiaridade. Sua temperança nunca descambava para o fanatismo ou a
austeridade. Não Se conformava com o mundo, e, todavia, estava atento às
necessidades dos mais humildes entre os homens. (Conselhos aos Pais, Professores
e Estudantes, 262).
Deus espera de todos os
seus filhos coerência entre o falar e o agir, assim pregaremos em todos os
momentos da nossa vida, calados ou falando, na igreja ou no trabalho e o
evangelho vai avançar com muito mais força e Jesus voltará muito mais rápido.
Eu buscarei coerência para minha vida, busque você também. Vivamos de tal forma
que Deus possa falar de nós: faça o que ele diz e também pode fazer o que ele
faz. Que Deus nos dê sua graça para alcançarmos esse ideal.
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